50 anos de cenografia

António Casimiro é um dos mais destacados cenógrafos portugueses contemporâneos.

Comemorando actualmente 5O anos de carreira, Casimiro desdobra o seu trabalho entre a televisão e o teatro, com algumas incursões na ópera, no bailado e no cinema. 

Um dos pioneiros da cenografia televisiva e do teatro para televisão em Portugal, foi bolseiro da Fundação Caloustre Gulbenkian em Roma e em Paris. 

No teatro, tem passado por todos os géneros, da revista ao teatro mais experimental e, no cinema, colaborou com Manoel de Oliveira, António Macedo e Solveig Nordlund, entre outros. 

Foi professor de cenografia da Escola Superior de Teatro e Cinema e participou, individual e colectivamente, em inúmeras exposições em Portugal, França, Itália e Bélgica, tendo representado o nosso pais, juntamente com outros cenógrafos, na 9ª Quadrienal de Praga.

Esta exposição temporária que o Museu Nacional de Teatro agora inaugura, pretende apresentar, retrospectivamente, alguns aspectos mais significativos da vastíssima carreira 
deste notável criador teatral.

José Carlos Alvarez
Director do Museu Nacional do Teatro



António Casimiro :  O mestre tímido

António Casimiro, um Mestre de Cenografia portuguesa, tem muita argúcia e sentido de humor (o que esconde, pois muito pouco gosta de exibir, por detrás dos seus óculos-máscara), se bem que seja de personalidade tímida e discreta. 

Isso percebe-se menos nas relações interpessoais do que no seu modo dramaturgico próprio, construido ao longo de uma laboriosa e eclética carreira artística, cujas marcas e vestígios recolho,  com mania de coleccionadora, nos papeis com esbocetos e desenhos que generosamente semeia atrás de si.  
Nesses documentos, quase todos de estudo, encontramos um diálogo-dramaturgico em processo com a encenação
(no caso dos meus papeis, com o encenador João Lourenço
que Casimiro conhece desde sempre mas cuja parceria criativa haveria de ganhar corpo depois do 25 de Abril de 1974), onde o traço firme do desenhador/pintor esboça caminhos tentativos para a arquitectura do espaço, para a arquitectura da luz - muito importante para estes dois criadores conotados com um realismo a que, regra geral, falta uma adjectivação que pode ir do "poético" ao "nebuloso" ou, melhor ainda ao moody, que é como quem diz, um realismo que acompanha, sugere ou anuncia as variações emocionais das personagens ou das suas situações.

É pois no recorrer destes diálogos, não-assinados que melhor se percebe uma forma de trabalhar em diálogo, de criar lendo atentamente as motivações humanas da gente da ficção e dos criadores envolvidos. Tenho reparado, com efeito, e apesar da extrema discrição que herdou de uma educação condicionada pelas determinações de um tempo censurado - a que se poderia fugir, como me parece que Casimiro terá feito, através da "bilhardice" com os seus Mestres e pares das Belas Artes e do Teatro - que António Casimiro, discretamente embora, é um cidadão de causas e um lutador pela liberdade.
Vê-se isso nas palavras que deixa cair, na forma como acarinha os seus estudantes e companheiros, na memória que deixa com todos com quem trabalha.
Gostaria de assinalar, neste modesto recado de admiradora,
que me parece que o Tempo é uma das coordenadas estéticas determinantes das suas visões cenográficas.
Ele até pode ser cuidadoso e meticuloso no seu realismo de base. Mas é nos pontos de fuga, nos caminhos que traça para a luz e na preocupação com a desocultação da temporalidade que me parece residir o suporte da sua linguagem de cenógrafo que pinta realidades.

Eugénia Vasques
Professora Universitária
Crítica de Arte



Cumplicidades

Conhecemo-nos nos finais dos anos 50 e, daí para cá, tem havido múltiplas cumplicidades entre nós: nos primeiros tempos, eu, como actor, e tu, António, como cenógrafo, nos teatros de Vasco Morgado; depois na televisão, ainda a preto e branco, anos de experiência de uma nova linguagem que, para quem desenhava espaços ou representasse neles, foram anos de descoberta. Inventaste muitas formas de fazer cenários para a televisão e de trabalhar sem cor, dando a impressão a quem via a preto e branco que estava a ver mais cores.
A seguir vieram os teus trabalhos no cinema, com bons realizadores, especialmente com o Manoel de Oliveira para cujos filmes recriaste muitos espaços com a tua sabedoria e o teu talento.
Mais tarde, quando passei a dedicar-me mais à encenação,
senti o teu entusiasmo como professor do Conservatório
e vi-o também nos jovens alunos que eu ia dirigindo no teatro
e expressavam vivamente o gosto de serem ensinados por ti. Foram varias gerações de cenógrafos que tu ajudaste a criar
e que te recordam também como um bom amigo. 

Mas foi realmente o teatro que mais nos aproximou.
Tu também sempre gostaste mais do teatro: era uma grande tela em que também como pintor podias experimentar e dar largas à tua fantasia.

A tua maneira bonita de  estar na vida e o contacto caloroso que tens com os teus amigos fazem com que se deseje sempre voltar a trabalhar contigo. Quando tudo deixou de ser a preto e branco e apareceu a cor com o 25 de Abril de 1974, encontramo-nos nas ruas a festejar a liberdade. 

Ao longo da minha carreira, o meu trabalho tem-se cruzado sempre com o teu.
Em 1975, As Espingardas da Mãe Carrar, o meu primeiro Bretch, tinha um magnifico cenário da tua autoria: metemos o publico dentro da casa da Mãe Carrar, dando à peça uma intimidade inesquecível.
Na inauguração do antigo Teatro Aberto, em 1976, estavas a meu lado a ajudar e a apoiar o Grupo 4 naquela grande aventura da construção do teatro.
Em 1982, quando o Novo Grupo se formou e se tornou a nova companhia residente do Teatro Aberto, os cenários dos primeiros espectáculos foram teus. Nessa altura, até na redecoração do foyer tu colaboraste, organizando com os alunos do Conservatório um workshop de máscaras para a reabertura do Teatro. Depois passámos a fazer a cenografia juntos, numa cumplicidade muito bonita e criativa, com aquela facilidade que tu proporcionas no trabalho em conjunto, porque não impões as tuas ideias, sabes ouvir e procurar novas soluções.

Quem não te conhecesse, podia achar-te tímido, mas depois vê-se que não é timidez, é antes o saber inteligente de estar na arte colectiva que é o teatro.
Quando da inauguração do novo Teatro Aberto em 2002,
lá estavas tu mais uma vez ao meu lado.

As máscaras atravessaram a Praça de Espanha e vieram decorar o novo foyer.
Também estivemos juntos na direcção da SPA e, durante todos esses anos, as nossas opções não variavam muito.
No principio deste ano voltámos a os dois à direcção da SPA, mostrando como gostamos daquela cooperativa e lhe queremos dar o nosso melhor contributo.
O meu caminho, tanto na profissão como fora dela, foi pontuado aqui e ali pelo teu saber, pela tua amizade e pela forma discreta e calorosa que pões sempre nas relações com as pessoas de quem gostas e com quem trabalhas.
Quando soube do teu desejo de fazer uma exposição da tua pintura no Teatro Aberto, foi com muita alegria que a quisemos logo acolher. 

E a tua pintura deixou-me agradavelmente surpreendido. 
Já conhecia bem o teu traço, as tuas sombras, o teu gosto pelo realismo, e, de repente, à minha frente, abria-se um caminho novo, realmente novo no teu trabalho. O tema dos quadros tocava-nos aos dois: o teatro, o espaço do teatro por dentro, solto das peças e da tua cenografia concreta.
Vi uma pintura abstracta, larga, com cores pastosas e bem contrastadas, um traço gordo e pesado e uma ideia de espaço, feita mais para ser sentida do que para ser descrita: a grande caixa infantil do teatro, onde tudo pode acontecer e surgir como se fosse por magia.
Comemora-se agora os teus 50 anos de profissão.
O que é que eu posso desejar ?
Que a nossa cumplicidade se mantenha e continues a fazer o teu trabalho com o talento, o saber e a seriedade que te distinguem como artista.

João Lourenço